quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

OS LIVROS SAGRADOS TEM RAZÃO?

Os livros ditos sagrados que regem as grandes religiões do mundo reclamam para si o serem detentores de toda a revelação divina, destinada a nortear o viver humano e a desanuviar o pós-morte. Dada a discrepância entre as mensagens reunidas em cada um desses volumes, não se pode afirmar que partiram de um mesmo deus único, absoluto, perfeito e verdadeiro, pois não pode, ele mesmo, ser contraditório. Daí, podemos depreender que essa inconsistência é advinda daqueles que ostentaram ser os mensageiros da verdade divina, e que, se há alguma coisa que possa nos fazer tomar uma dessas escrituras por tal atributo, essa coisa é , não razão.

Pensemos, então, um pouco, a Bíblia – o livro no qual se baseia toda a cultura judaico-cristã. Seus textos datam de milhares de anos, e ainda assim, exercem uma voraz influência na vida das pessoas. Seus sectários defensores alegam que ela é a mais perfeita, pura e irrefutável “palavra de deus” aos homens. Será que não lhes ocorre que ela tenha sido concebida por mentes e mãos humanas imperfeitas, e que dessa forma, estas não poderiam conceber algo perfeito? Bem, se quisermos postular a perfeição desses homens ou sua plena santidade, então, teremos de equipará-los à Divindade, e portanto, admitir a existência de deuses de carne e osso entre nós, do contrário, só podemos compactuar com a idéia de que, ainda que fossem mensageiros fidedignos da Verdade, essas mensagens não poderiam deixar de ser adulteradas pelo espectro temporal da vida particular e do pensamento de seus transmissores, haja vista, a impossibilidade de eles serem perfeitos. Ademais, as únicas pessoas que testificam a veracidade do relato bíblico são seus próprios escritores: o apóstolo Paulo escrevendo a seu discípulo Timóteo diz “esta escritura é inspirada por deus”, objetivando que suas palavras fossem passíveis de todo crédito. Ora, como podemos aceitar cegamente que as orientações vindas de um homem de outro período histórico, inserido num contexto social peculiar, que escreve uma carta destinada a uma pessoa específica, determinem a nossa vida prática, sem termos sequer o direito de contestá-lo? O mesmo se aplica aos outros escritores bíblicos. Vejamos o caso de Moisés: em sua tentativa de descrever a origem do mundo e dos homens, ele conseguiu um feito catastrófico, que perdurou por milhares de anos envenenando e atrasando a história da humanidade, algo que só poderia estar vinculado a mentalidade primitiva dos homens de sua época e não a de um deus Justo e Perfeito. Estamos falando da mulher: subjulgada como causadora do mal (ao ceder a oferta da serpente) e, considerada espécie inferior ou dependente da do homem (ao ser formada a partir de um fragmento do corpo masculino). Reparem o quanto essa concepção privou a mulher do seu status social de igualdade, e como essa alegoria arcaica germinou entre os homens, contribuindo para que não fossem dados voz e vez a ela. O apóstolo, referido anteriormente (centenas de anos depois de Moisés), chegou a dizer que a mulher deveria permanecer calada em certos encontros públicos daquela sociedade. A coisa foi tão degeneradora, que muitas mulheres, em todo o mundo, assimilaram os traços de identidade que lhes foram atribuídas durante séculos , isto é, de  inferiores, de frágeis; quando, de fato, em nada, poderiam representar um subnível em relação aos homens, pois são, ambos, homem e mulher, igualmente plenos humanos; dotados das mesmas características essenciais. Somente agora, há menos de cem anos, depois de sofrer inúmeras injustiças, a mulher é elevada ao patamar de indíviduo soberano e consciente, cidadã do mundo ocidental. Como se vê, as paixões e os desejos mesquinhos de poder dos homens manifestaram-se desde a Antiguidade, mas, com o passar do tempo, esse pensamento evoluiu (apesar de que, permanece retrógrado, ainda, em muitas culturas do Oriente Médio). Outrossim, se Paulo vivesse em nosso contexto social de hoje, talvez ajudasse a colocar uma mulher no mais alto cargo público de uma "nação cristã e democrática" – a presidência, elegendo-a representante máxima dos ideais de justiça e paz almejados por todos  (como temos visto recentemente aqui na América do Sul). Sim, aquele que disse que o homem era "o cabeça" da mulher, e ela, "a submissa", daria , hoje, não só voz a essa mulher, como permitiria que ela fosse a voz delas e deles.
O que estamos tentando enfatizar aqui, é que não dá para desvincular nenhuma narrativa do período histórico no qual ela foi escrita, muito menos do contexto social em que está inserida ou da visão de mundo de seus escritores. Vejam vocês que a “obra canônica” apresenta o “olho-por-olho, dente-por-dente” como a maneira mais nobre e justa do homem lidar com os conflitos de sua época, mas, hoje, trata-se, no mínimo, de uma idéia digna de repúdio. Assim, compêndios religiosos como a Bíblia, o Alcorão, o Livro dos Vedas, a Bhagavah Gita, Shruti, Torá, Livro dos Mórmons, Suna, Avesta, entre outros, só podem ser encarados como uma riquíssima produção literária, alguns, com valiosas referências histórico-culturais; mas incapazes de subsidiar uma interpretação coerente e ajustada ao mundo contemporâneo e suas relações sociais.

Para finalizar, endossamos os pareceres de Fernando Pessoa e Clarice Lispector que respectivamente poetizaram: “Pensar é descrer” e “[Deus], receba em teus braços o meu pecado de pensar”, para dizer que não nos parece racional postular um livro como o supremo registro sagrado da verdade para todos os povos em todos os tempos, que determine as minúcias da vida prática, e que, em nenhum desses textos reducionistas, e desarmonizados com o Todo Universal, possa estar a razão norteadora de nossa busca pessoal e sincera por um vínculo essencial com deus. Além disso, nós temos a mesma capacidade, senão maior, que os antigos, de, também, buscarmos decifrar o grande Enigma. Talvez, antes de aderirmos a este ou aquele livro que se auto-proclama sagrado, devêssemos fazer a mesma pergunta que Sócrates direcionou aos sacerdotes e sábios atenienses de sua geração: “Isso que vocês chamam de sagrado é puro, bom e belo, e por isso é sagrado, de deus? ou, isso é sagrado, de deus, e portanto, puro, bom e belo?”. A resposta implica fatalmente em avaliarmos quem está atribuindo sacralidade a quê, e ainda, enxergarmos sob quais critérios está havendo tal atribuição.

8 comentários:

  1. Não. Não têm razão. Os livros sagrados têm apenas fé.

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  2. Ótimo esse texto!!! Viva a liberdade de pensar!!!

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  3. Não se pode desprezar, todavia, que a bíblia é um livro histórico e não somente um livro ditador de "pode e não pode". Narra fatos e cultura da época e dos povos orientais dessa mesma época. Esses sim eram cheios de melindres nos seus costumes - estes, aliás, são feitos por seres falhíveis...

    Pensar é imprescindível. Duvidar é necessário. Fé é boa vontade.

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  4. Pois é, Tati. Esses mesmos "seres falhíveis" ostentaram ser os fiéis mensageiros do querer divino, quando na verdade, expunham seus costumes de época "cheios de melindres". Contudo, seus dizeres continuam a comandar a vida prática de muitos dos nossos contemporâneos (cheios de fé naqueles). Fé no deus, uno, absoluto, essência do universo, SIM. Mas fé nos seus supostos mensageiros, haja "boa vontade", como você diz. =]

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  5. Os textos sagrados... vamos citar alguns: A Bíblia, tomada pelos Católicos, afins e Evangélicos... o Alcorão... tomados pelos extremistas terroristas... O Baghavagita, Hindú... Os Vedas... O Livro dos Mortos... etc...

    Em resumo... estes livros foram escritos em suas épocas, para a mentalidade destas épocas... A Criação foi feita... ela evoluio... Porque ela evoluio ? Porqué estamos aqui... nós, cada um de nós... é uma manifestação na "forma perceptível" de algo "imanifestado"... então... é nosso dever continuar A Criação... sermos seres Criadores, Evolutivos...

    Então... tudo muda... tudo é... fluxo... movimento... porque morte não é vida e enquanto estivermos vivos somos Vida, Criação... isto é... se pudermos nos livrar de nossos invólucros impostos... nossos condicionamentos...

    Artista... seja da letra, da pintura, da música, etc... é este que capta o Incognoscível... e consegue, por breve momento, trazer à realidade, algo transcendental...

    Disse um mentor que geralmente as 4 primeiras estrófes de um poema são a que valem... pois vieram do vazio, do nada, do Imanifestado... o resto é improvisação do poeta, enchimento para poder tornar publicável um poema...

    M.A.

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  6. Os Livros Sagrados Tem razão.

    Em sua época, em seu linguager, em seu expressar...

    Os Livros Sagrados tem razão.

    Nós é que não temos razão e achamos que temos razão porque traduzimos a percepção de acordo com aquilo que somos e fomos condicionados.

    os livros sagrados tem razão.

    Nós não temos.

    Apesar da beleza de nossa infantil linguagem, degenerada...

    Perdemos algo no caminho amigo...

    Se Conscientize...

    Estamos perdidos e precisamos voltar...

    I am suffering...

    please help...

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  7. Se não temos Razão, então precisamos encontrá-la.. mas não sei se devemos "copiar" a busca empreendida por nossos antepassados...
    Eu tbm sofro, a ausência da "dor" não é coisa de humanos... contudo, convido-o a experimentar uma busca que não seja pré-formatada, que seja auto-gerada, livre.. A tal "conscientização" pode não existir, o que existe de efetivo é um movimento interno e particular que nos coloca como co-autores do devir... Abç

    PS: leia outros posts.. (apesar da aparente fixidez, no processo de leitura há muito movimento.. STIR =)

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  8. Quando se busca a razão, o fazemos para proveito próprio e com intuito de não ter que responder à consciência, persuadindo a terceiros ou pelo menos, acreditando que temos o poder de persuadi-los. Como diz um certo poeta/cantor: "Todos têm suas próprias razões". Portanto, todo questionamento, provém de insatisfações e/ou inquietações, no momento em que iniciando o pensamento, haja a percepção do estado de aprisionamento condicional ou circunstancial.
    E à partir daí, a única liberdade real está no ato de expor esses meros pensamentos!

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